Diário







Acordo e me despeço
nas preces envelheço
Travesseiros me tecem
Manhãs me desvanecem
De teia de aranha tenho medo
Elas não gostam das manhãs
Sei quem sou
mas sempre faltam as partes
que não sei e que ainda serão

Padeço de perguntas
Amanheço com respostas
Queria alfazema em minha face
Tempero em meu coração, arde
o que me contém
o que me derrama
Sei mesmo que sou à parte. 
imagem em: http://www.liberimago.com/2009/07/o-dialogo-ii.html





Varinha Mágica da Ofélia

Era uma menina trajada em vestido rosa, com saias esvoaçantes, madeixas loiras, asas cintilantes e um sorriso largo. Passou pela Vila em visita e esqueceu a varinha em casa. Guardei-a com carinho, pensando: "a pequena voltará para buscar seu pertence", mas não veio. Foi um dia de perigo, de aflição, destes que só lembramos em pesadelos, com sustos, uivos, tiros e fugas. A varinha saiu da gaveta voando com as asas nacaradas e espalhou o sorriso largo da menina por toda a sala, toda a casa, por dentro toda de mim. Lembrei do sorriso grande de menina na foto do álbum de primeiro ano na casa de minha mãe. Desde lá semeava pelos cômodos o pó cintilante, mas adulto se esquece. Obrigada menina de asas por devolver minha varinha mágica.








Olhando para cima e encontrando o eu superior...

Olhando para dentro e encontrando o eu superior...
imagem retirada do site: http://ally-goetia.livreforum.com/t177-wicca







Arranjos
 Precisava ajeitar os fatos com as mãos. Busquei água, lavei, escorreu pela escada abaixo e se foi. O vestido que tinha buracos e o pendurador de brincos despareados, botei umas pedras nos vãos e fiz casais por significados, cores, uns ficaram solitários. Flor por flor, ajeitei com cuidado, costurei arranjo, escrevi bordados.








 minha prece


me leva até


eu mesma













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Quero tudo
o que vem
do coração


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quero tudo
e mais
tudo o que tiver em mim
e mais
tudo o que tiver de ser
e mais
tudo o que tiver direito
e mais
transbordar
e ser até outra
depois de superar
eu mesma





Pés em paz

Sou mais que minha necessidade ou ela também sou eu? Não sei, agora a pouco abri a porta, não era nada, nada costuma ser gente importante, assim, convidei a entrar, tomar chá e pousar. Conversamos demoradamente, trouxe-me um pacote, de fato espreitava minha janela. Era saudade, não, não, era recesso, lacunas, não sei que presente é este. Senhor ambíguo, repleto de surpresas. Analisei-o abaixando o queixo e erguendo o olhar, até doer os olhos. Quando comecei a gostar, disse que não ia pousar em casa, deveria prosseguir. Andarilho. Não deu tempo de lhe contar que também sofro deste substantivo, sigo. Chega a doer os pés. Faço salmora. As coisas que não vi ficaram incrustadas nos olhos, a salmora machucava. Mas os pés estavam em paz. Dever cumprido. Coração rangia o fole de tardinha até tecer a noite com notas, linda trama de recordação do amanhã. Visite-me mais vezes, falei acenando. Que eu me salve do que preciso!







O amor é sempre eterno
mesmo no inverno
quando você não vem
quando toda vida morre
e tudo na terra dorme
e mesmo depois
o amor fica guardado
ainda depois
da tempestade
depois do apego
e do deixar ir
de passada a dor da saudade
depois do tesão, da traição,
ele ainda está lá,
incorruptível
em cima da montanha
sorrindo para a chuva, para o sol,
para você.

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Não o que se trisca, mas o que se perfura; não o que se consome, mas de que se é feito; não do que se traveste, mas lá bem no âmago; não o que é concreto, mas a eternidade; o azul.





  
                      Colheita

  


 Sombra em Papel de Parede

                                 Lembro-me, às vezes, daquele chá da madrugada. A mesa redonda pequena aproximava nossas palavras e o abajur de cetim florido iluminava nossas ideias, faziam uma sombra imensa na parede que dividia o cômodo ao lado. Você se imaginava lá. Projetava-se grandiosa e triunfante naquele papel de parede carmim e rosa. Sombra em papel de parede carmim e rosa evidencia a esperança. Um ser sem sombra morreu porque perdeu a esperança. Quanto maior a sombra, maior o buraco. Se tudo que emana grande luz, pode projetar sombra de mesmo tamanho, não é?... Aos poucos ela foi esmaecendo, chegaram as torradas, o mel, as frutas. As xícaras de chá foram trocadas pelas de café. Fechamos nossa conta. Mas outro dia sentei em uma mesinha redonda que projetava outra sombra em outra parede. Ela tinha vida própria, desafiava-a, tomando outro chá.








Dia Visigótico

                                O dia de hoje foi assim visigótico. Olhando as paredes dele incrustadas de história, apreendo da pedra. Inspiro, inspiro. Procuro as chaves para abrir a porta de casa, agora ela é dourada! Portas de casas deveriam ser sempre douradas. Dentro não se parece com a pedra em nada, mas também é bárbara. Chego até meu travesseiro de ponta, branca. Travesseiro sempre deve ser branco inteiro para a gente poder desenhar os sonhos nele. Todos de uma vez, um de cada vez. Expiro.








O Início

                                 O início sempre começa antes. Assim como o parto veio de um encontro, o encontro de dois. Dois seres que eram um, que vieram de uma história, que nasceram de um parto. O primeiro, portanto, é sempre uma recriação. Venho há tempos me recriando, desde meu princípio. Deparo-me com novidades já vistas de mim por toda sala de casa, por alguma tela de cinema, por uma pegada na areia da praia. Indícios de mim, revistos em espiral. Tocando o céu na ponta dos pés, às vezes estremeço, quando o mar também chega na ponta do dedo do meu pé esquerdo. Hoje é o dia do meu aniversário, devo comemorar. Tomo chá de gengibre e olho através da janela: o horizonte se encerra no encontro do céu com o mar, eu nasci de lá. Reinvento meu começo neste agora e estou indo de volta, aquela linha tênue e sublime, o horinzonte do céu com o mar. Escrevo hoje para parabenizar a mim mesma, pois tenho conseguido ser com a essência da margarida. Neste reaniversário posso comemorar o meu exercício de ser eu mesma. Primeiro registro, eu não falava, não enxergava nada direito, alguém cuidava de mim no dia do meu nascimento. Hoje faço o primeiro rerregistro no diário novo. Nele tudo acontece, sentimentos, momentos, pensamentos, até fatos propriamente, narrados com a imparcialidade de sujeitos...